Virou moda, apesar do absurdo que é, afirmar que a terra é
plana. Tem gente que o afirma categoricamente e há um autodidata louco e
aprendiz de astrólogo que diz que não há nada que refute a ideia de que a terra
é plana.
A coisa é tão estapafúrdia que se chegou a realizar a
primeira Flat Con, a Convenção Nacional da Terra Plana, com a seguinte
enunciação: "A Terra está parada. Não se move. A superfície da Terra é plana.
Há uma cúpula sobre nós chamada o Firmamento. O sol, a lua e as estrelas estão
sob a cúpula do Firmamento. O sol e a lua são muito menores e mais próximos do
que nos dizem. O sol e a lua se movem em seus próprios padrões sobre a
superfície da Terra. Não há planetas. Apenas estrelas no céu. Não há espaço.
Não podemos sair da cúpula. Está tudo bem aqui ..."
Eles dizem que nossos sentidos indicam que Terra é plana, o
mundo parece ser plano, logo deve ser plano. Para eles a Terra é um disco
redondo e achatado, o Polo Norte está no centro, a borda é formada por gelo
(Antártica), a circum-navegação da Terra é fazer volta ao redor do Polo Norte.
Sol e a lua são pequenas esferas a poucos milhares de quilômetros da Terra, que
se movem em círculos ao redor do Polo Norte, e outras barbaridades.
Duvidam da evidência fotográfica, porque acham ser fácil
manipular imagens. Para eles, a exploração
espacial nunca aconteceu: é conspiração. Os astronautas, que disseram
ter visto a Terra é redonda, foram subornados ou obrigados a dizer isso.
Mas há, em número maior e com o mesmo grau de absurdo, os
Biblioplanistas. Contra toda a evidência histórica, linguística, cultural, da crítica
literária e da glotologia, saem afirmando besteiras sobre a Bíblia. Mesmo
quando uma palavra se trata de uma apax legomena (palavra que ocorre uma
única vez), eles sabem tudo sobre o significado dela, mesmo em se tratando, no
caso da Bíblia, de duas línguas mortas (hebraico bíblico e grego koiné).
Para os Biblioplanistas, os gêneros literários são coisa de
hereges para torcer o real sentido das Escrituras. As contradições entre
narrativas históricas ou a duplicidade delas (como no caso da criação), é coisa
que só incrédulo acredita. A Bíblia é infalível e inerrante. As aparentes
contradições têm algo a mais e o leitor mais atento e cuidadoso fica míope para
estas “verdades ocultas”. Perguntar, questionar e duvidar de certos relatos é
condenação eterna para os Biblioplanistas.
Acreditam que o Pentateuco foi escrito por Moisés ainda no
deserto (só não explicam como há tanta água no texto da criação se o ambiente
dele era o deserto). Acreditam na literalidade numérica: Moisés esteve 40 anos
na corte de Faraó, 40 anos no deserto, 40 dias no monte Sinai e mais 40 anos na
peregrinação, saiu do Egito com 600.00 homens, perseguido por 600 carros de
combate do Faraó.
Desconhecem os gêneros literários. Para eles não há na
Bíblia novela, saga, lenda, mito, saga etiológica, ironia, hipérbole, poesia,
conto, anedota, discurso narrativo ou épico, ode, metáfora etc. As parábolas
devem ser tomadas no seu sentido mais literal possível. Tudo deve ser
interpretado desde uma ótica plana e rasa: literalmente, onde cada palavra tem
o sentido primário, sem possibilidades de interpretações segundo o gênero no qual
foi escrito. A poesia se torna historiografia, a saga etiológica é descritiva
de fatos originais, as fábulas são fatos históricos.
Também acreditam que a vida na terra é um campo de batalha
entre Deus e Satanás, com seus demônios que trazem enfermidades, desgraças,
falências, adultérios e que há pessoas escolhidas a dedo por Deus para expulsar
os demônios e trazer prosperidade.
Com tamanha infantilidade interpretativa, não surpreende que
expulsem demônios da caspa, da obesidade, acreditem que a serpente e a mula de
Balaão realmente falaram, que o universo foi criado em sete dias de 24 horas e
que a terra tenha não mais de 7000 anos!
Marcos Inhauser
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