Pode parecer uma incoerência, mas não o é. Há muitos que declaram
ser evangélicos e negam em suas vidas e pregações o que os evangelhos ensinam.
Mas, antes de mais ada, precisamos conceituar os termos. Evangélico vem de evangelho,
palavra que tem sua origem no grego neotestamentário (euangelión) e que
significa “boas novas”. Curiosamente, ela foi originalmente usada até para o
anúncio da vitória militar trazida por um mensageiro. Também se sabe que a
palavra era usada para se referir a qualquer boa nova, independentemente da
natureza ou do contexto onde a mesma estava inserida. Só mais tarde é que os
escritores do Novo Testamento, ao fazerem dela uso, começaram a restringir o
seu significado para se referir a Jesus Cristo e ao anúncio da salvação.
Estrita e morfologicamente falando, qualquer boa nova é euangelión
e, por conseguinte, anunciar boas novas é evangelizar, não importa o campo
em que tal boa nova pertença. Também se refere ao conteúdo conhecido como
evangelhos. E mais contemporaneamente, o termo “evangélico” se refere aos que “pautam
suas vidas pelos ensinamentos dos evangelhos”. Uma denominação evangélica seria,
portanto, aquela que tem nos evangelhos a sua Carta Magna e referência maior
para os valores e práticas da vida. Ser evangélico é ter nos quatro escritos o
parâmetro para avaliar todos os demais livros, até mesmo os que estão na
Bíblia.
Os anabatistas mais radicais acreditam e ensinam que há uma
gradação na revelação que está nas Escrituras: Palavra de Deus é o que Jesus
falou, o que Ele ensinou e isto está nos evangelhos. Todos os demais escritos
bíblicos são Palavra de Deus desde que concordem com os que Jesus falou e
ensinou. Note-se que, nesta visão radical do evangélico, há coisas bíblicas que
não são evangélicas, porque vão contra os ensinamentos de Jesus. Os textos que
falam da guerra são informativos e não normativos. Seguir a Cristo é seguir ao
que dEle se sabe e conhece e descartar o que contra Ele e seus ensinamento se
colocam.
Ora, se um “evangélico” prega a ira, o racismo, a beligerância,
o armamento, pode ele ser considerado um evangélico e cristão? Se um “evangélico”
defende a tortura e cultua um torturador, pode ele ser considerado evangélico? Se
o Sermão do Monte é parte central nos ensinos de Jesus, pode ser cristão quem
os nega e ensina o que vai contra os ensinamentos do Sermão do Monte? Pode ser o
guerreiro um pacificador? Pode ser cristão quem promove o armamento, se envolve
sistematicamente em corrupção, desvia verbas da merenda e a saúde? É cristão
quem tem a ira como a essência do viver? Como achar que é evangélico quem não
aceita e nem pratica a recomendação de “amar os inimigos” e “dar a outra face a
quem bateu”? Se o evangelho é o anúncio da graça, é evangélico quem vende
bençãos?
Tudo o que não é amor a Deus, ao próximo e a si mesmo (não
no sentido egoísta e narcísico, mas no sentido de zelar pela própria vida) não
pode ser considerado cristão e nem evangélico. Esta foi a resposta de Jesus
quando perguntado qual era o maior dos mandamentos. O verdadeiro cristão se
conhece pela sua dedicação ao próximo e seu ministério para empoderá-lo,
suprindo suas necessidades, aconselhando, dando agasalho, conforto e norte para
a vida. Evangelizar é dar sentido a vida do outro, é dar a dimensão de
eternidade para quem está na depressão, é ar a esperança de melhores dias pela
solidariedade e justiça
Marcos Inhauser
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