Há notícias que impactam e que não entendo por que elas têm
este poder, uma vez que se tratam de coisas corriqueira. Há outras que, pelo
inusitado, se transformam em sensações jornalísticas (a águia que fez ninho na
janela de um apartamento na área do Central Park). Há as que nos estarrecem
pela violência dos fatos (o caso do Tsunami nas Filipinas), pela crueldade (o
caso da morte e emasculação do jogador de futebol), pelo volume do dinheiro
envolvido (as descobertas da Lava Jato), pela constância na prática do crime (o
ex-governador Sérgio Cabral) ou pela imprevisibilidade (o massacre na Catedral
de Campinas). Muitos mais exemplos poderiam ser dados para exemplificar o que
afirmo.
Estamos, nestes dias, diante de notícias que a cada dia nos
estarrecem pela antiguidade da prática delituosa, pela quantidade de acusações,
pelo tempo em que demorou para que viessem à luz, pelo abuso da autoridade
religiosa e pela natureza dos crimes. Falo dos fatos relacionados ao João,
indevidamente alcunhado de João de Deus.
Para mim, o problema começa com a alcunha: de Deus. Isto o
elevou a um patamar de divindade, de alguém acima dos normais, de um quase
deus. Se se prestar atenção às acusações agora feitas, perceber-se-á que muitas
das mulheres dizem que não o denunciaram para não prejudicar a obra que ele
fazia, que ele era idolatrado pelos seguidores, que ninguém acreditaria no que
contassem. Nem mesmo uma juíza e promotor acreditaram no relato de uma abusada,
e arquivaram a denúncia por falta de provas (queriam fotos ou vídeos que
provassem?). Se era tido neste plano superior, suas ameaças de que a doença
voltaria se contassem do abuso, que os demônios as atacariam ganhava foros de
verdade, sem diminuir a grau de chantagem.
Neste exercício de poder há um desequilíbrio entre o
religioso e o fiel. Cito aqui o que já escrevi anteriormente nesta coluna
(Poder Divino): “... estudos feitos sobre os casos de violência sexual sempre
mostram uma relação desigual de poder, onde os abusadores, no exercício de suas
autoridades, impõem suas vontades sobre as partes mais fracas. Também afirmava
que, no campo do religioso, esta desigualdade do poder se estabelece quando o
religioso se apresenta como revestido de “autoridade espiritual”, o que
facilita a investida sobre a presa de sua sanha sexual. Uma “cantada” de um
religioso é mais efetiva que a de um cidadão normal. Há nisto a mística de
estar se relacionando com o sagrado, com alguém mais próximo de Deus, uma
elevação espiritual pelo sacrifício da entrega do corpo, de orgasmo mais pleno
porque feito com a santidade. Há o caso (sem o mesmo destaque na mídia) de
pastor que Deus revelou que as mulheres dos membros da Diretoria da Igreja
deveriam ser acessíveis e acabou sendo flagrado no escritório pastoral com uma
delas.”
No caso do João Abusador havia o argumento de equilíbrio das
energias, de transferência, via genital, de energia para a cura e outras
abobrinhas. Insaciável, até uma filha acusa o pai.
Não é para menos que, até o momento em que escrevo esta
coluna, pelo menos 506 mulheres já ofereceram denúncia contra o João Abusador.
No entanto, pasma-me o instituto da prescrição da punibilidade por ter
decorrido algum tempo. A dor das abusadas, violentadas e estupradas não
prescreveu. As lágrimas são atuais, a dor é diária, o sofrimento ininterrupto.
É justo não aceitar denúncias porque feitas depois de seis meses? Dos 506 casos
conhecidos sobrará um caso. É isto mesmo que entendi?
Marcos Inhauser
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