Nove entre dez entrevistados na televisão, lives de especialistas ou vídeo de “otoridades” em algum assunto, tem uma biblioteca nas costas do indivíduo. Há algumas considerações que merecem ser feitas sobre este fato.
Esta é uma forma de mostrar aos que se dispõe a ouvi-lo ou
para chamar a atenção dos que passam de relance, que a pessoa é uma pessoa
letrada, com muitos livros lidos e vasto conhecimento na área em que pretende
falar alguma coisa. Quanto mais livros o sujeito tiver para mostrar, mais
autoridade, supostamente, ele tem. Há um deles, o Guga Chacra, que tem livros
dos dois lados de sua cabeça, todos colocados para que se facilite a leitura
dos títulos e, como deveria ser, relacionados a assuntos do Oriente Médio e mundo
árabe. Tal se dá porque ele é, de fato, um especialista no assunto. O que me
chama a atenção é a arrumação deles. Parece que estão ali para promover os
livros e se assim for, deve ganhar ou livros grátis das editoras, ou algum
cachê.
Um ministro do STF tem uma coleção da Enciclopédia Mirador
nas suas costas. Ela só pode ser relíquia bibliográfica por ser tão antiga e
desatualizada. Deveria estar no sebo! Há quem mostre uma biblioteca toda certinha,
com os livros arrumados por tamanho e, parece, por cor também. As que vi
pertencem a mulheres: Cristiana Lobo e Eliana Cantanhede. Há quem tenha uma
biblioteca com livros em desalinho e meio que jogados ao léu (Jorge Pontual).
Há jornalista que aparece para dar seu furo ou reportagem em frente a estantes
que supostamente têm livros.
Recebi há algum tempo uma “live” de pessoa que conheço bem e
que o último livro que leu foi para a última prova na Faculdade. Lá estava ele
em frente a uma biblioteca que nunca vi na sua casa!
Outra coisa, relacionada a esta é a quantidade de “lives” e
vídeos feitos por pregadores. Eles obedecem a dois parâmetros: biblioteca nas
costas ou uma baita Bíblia que o pregador segura nas suas mãos. Parece dizer
que, quanto maior for a Bíblia, mais autoridade espiritual ele tem. Ao
segurá-la de forma meio descuidada, quer passar a ideia de que tem familiaridade
com o livro, tal como fazia Billy Graham ao dobrar a sua, encostando a capa na
contracapa.
Com a tecnologia do chroma key, podemos duvidar que a
biblioteca às costas realmente está ali ou foi montagem de cena. Posso
perfeitamente ir à biblioteca municipal ou da Universidade, gravar um vídeo das
estantes e depois montar a cena. Eu me coloco na frente deles e os espectadores
acharão que tenho uma enorme quantidade de livros e que sou letrado.
Uma coisa também me chama a atenção nestes dias de
pandemias: é raro ver um dos epidemiologistas, infectologistas, virologistas
aparecer com biblioteca nas suas costas. Preferem aparecer no laboratório, como
se tivessem parado a pesquisa para dar a entrevista. Há nisto também um ranço
ideológico (no sentido de busca de poder).
Como estamos na era em que qualquer analfabeto se acha
especialista em alguma coisa ou em tudo (haja vista a profusão de comentários
de quem mal sabe escrever que está nas redes sociais, gente que não aprendeu
que na língua portuguesa se usa vírgulas e pontos finais), uma biblioteca nas
costas dá uma sensação de “otoridade”. Mesmo que seja montagem!
Marcos Inhauser
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