Lá se vão mais de 35 anos quando, por determinação pessoal
contrária à minha vontade, decidi ler o Dom Quixote. Eu o li em espanhol e, no
princípio, achei o estilo rebuscado e rococó. Aos poucos fui tomando gosto e,
devo dizer, acabei adorando o livro e ele marcou muito a minha vida e
cosmovisão.
A sua “vocação” era tresloucada e, até onde se sabe, não
tinha o treino e as habilidades necessárias para desempenhar a missão de
cavaleiro a que se propôs. Saiu em desvairada aventura épica. Para tanto tinha
seu fiel escudeiro, o Sancho Pança. Pelas gravuras se percebe ser uma dupla de
opostos: Quixote era magro e alto, Sancho gordo e baixo. Este antagonismo é
proposital na paródia anacrônica que a novela é. Também se percebe o antagonismo
nos comportamentos: Quixote era visionário, irrealista, sonhador e psicótico. O
Sancho era realista, comedido e sensato. O problema é que Quixote não o
escutava.
Quixote tinha um cavalo, o Rocinante e uma inspiração, a
Dulcineia. Ele nunca a viu e nem ela a ele. Ela nem mesmo sabia que ele
existia. Era um devotado anônimo. Em homenagem a ela enfrentou inimigos
imaginários (como os moinhos de ventos). Via inimigos por onde olhasse.
Da leitura aprendi a olhar os possíveis inimigos e perguntar
se são reais ou imaginários. Busquei ter os meus Sancho Pança que me chamassem
à realidade. Meu Rocinante é o que escrevo e ensino. Minha Dulcineia é a esposa
e os netos e netas (que são reais e sabem das minhas lutas).
Este romance de cavalaria se tornou um clássico e o é porque
sua história, ainda que anacrônica, encontra eco em situações presentes. Como
exemplo, cito o Brasil atual. Temos um presidente que se encaixa na figura do
Dom Quixote. Ele saiu do fundão do plenário, do baixo clero, nunca mostrou ter
habilidades e competências para a missão que diz ter, tem seus fiéis escudeiros
na trinca de filhos, arrumou mais três (Guedes, Moro e Lorenzoni). Tem seu
Rocinante que são as redes sociais e vê inimigos a cada novo dia. Mais
recentemente ele viu inimigos nas fotos e estatísticas do INPE e caiu de pau,
apoiado pelos escudeiros, em cima do diretor e acabou por exonerá-lo. Viu
monstros nas ONGS, nas fotos de satélites, nos governadores da região
amazônica, no Macron e até na mulher dele. Até em ajuda internacional ele vê
inimigos hipotéticos!
Parece que quanto mais fumaça as queimadas produzem, mais se
deteriora a visão do nosso cavaleiro. Depois de ver o tiro sair pela culatra,
chamou os ministros e o Exército para mostrar algo que deveria ter feito há
muito tempo.
O seu Rocinante é vociferante! Todo dia tem que colocar algo
nas redes, quase sempre (e não me lembro quando não o foi) de forma a criar o
caos e a controvérsia. Parece que se inspirou no Jânio Quadros e no César Maia,
especialistas em factoides para sempre estar na mídia. Que se inspira no Trump
não há nenhuma dúvida, uma vez que o idolatra. Ainda que haja quem, no seu
entorno, tente chamá-lo à realidade, nada muda.
Ele mexeu com a chama e saiu queimado! E o Brasil está
saindo chamuscado pelas suas intemperanças e alucinações!
Marcos Inhauser
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