Segue mais um texto da minha amiga Maria Ruckert: “Os israelitas tiveram
a experiência do Êxodo, receberam os Dez Mandamentos, e estavam atravessando o
deserto, rumo à Terra Prometida. O povo então se rebelou contra a liderança de
Moisés, lembrando a comida que tinham no Egito, pois estavam saturados de comer
somente o maná. Moisés se queixou diante de Deus, alegando que essa liderança era
demasiadamente pesada.
Deus ordenou que Moisés separasse setenta homens dos anciãos do povo,
posicionando-os ao redor da Tenda. Deus tirou do Espírito que estava sobre
Moisés e o pôs sobre os setenta anciãos, os quais profetizaram.
No arraial permaneceram Eldade e Medade. Eles estavam entre os
inscritos, mas não saíram à Tenda. No entanto, o Espírito pousou também sobre
os dois e eles profetizaram. Um jovem correu e comunicou a Moisés que Eldade e
Medade estavam profetizando no arraial. Josué, ajudante de Moisés e o seu
futuro sucessor, disse: “Moisés, meu senhor, proíbe-os”. Moisés lhe respondeu:
“Tens tu ciúmes por mim? Tomara todo o povo do Senhor fosse profeta, que o
Senhor desse a todos o seu Espírito” (Nm 11).
A rebelião do povo é uma contestação à liderança de Moisés, mas também
significa uma afronta a Deus, pois o Senhor deu os Mandamentos, apresentando-se
como aquele que tirou os israelitas do Egito. Des queria ser reconhecido como o
Libertador do povo. Com sua revolta e com saudade da comida do Egito, o povo
não estava confiando nas promessas de Deus. Eles estavam se rebelando contra o
intermediário Moisés e rompendo a aliança com o Senhor. Moisés ora a Deus e
intercede pelo povo. É uma queixa audaz, pois ele não havia ambicionado esse
cargo. Deus responde: codornizes para o povo e colaboradores para Moisés. Para
liderar o povo, Moisés havia recebido o Espírito.
Dessa plenitude do Espírito, Deus retira uma parte proporcional à
responsabilidade dos colaboradores de Moisés. Os setenta anciãos também passam
a ter a responsabilidade de levar a carga do povo. Ao receberem o Espírito, os
anciãos passam a profetizar. O Espírito também pousou sobre Eldade e Medade,
que não estavam presentes na cerimônia. Esse detalhe mostra que o Espírito é
livre e não pode ser controlado por regras cerimoniais. Josué sente ciúmes. No
seu entender, Moisés precisa impor sua autoridade, ou seja, proibir a
manifestação dos dois que não participaram na cerimônia. Ele entende que a
atuação do Espírito deve permanecer restrita ao grupo que foi convocado por
Moisés. O Espírito deve estar sob o controle da consagração de Moisés.
A declaração de Josué é uma clara manifestação de intolerância. Moisés
responde com tolerância, manifestando o desejo de que todo o povo profetizasse.
A única maneira de enfrentar a intolerância é com a tolerância. A intolerância
não deve ser combatida com outra intolerância.
Outro episódio de intolerância foi protagonizado pelos discípulos de
Jesus. Disse-lhe João: “Mestre, vimos alguém que não nos segue, expulsando
demônios em teu nome, e o proibimos porque não nos seguia”. Jesus, porém,
disse: “Não o proibais, pois não há ninguém que faça milagre em meu nome e logo
depois possa falar mal de mim. Porque quem não é contra nós é por nós” (Mc 9:38-40).
Atuar em nome de Jesus não é monopólio dos que estão geograficamente próximos a
ele. Com sua proibição, os discípulos representam a autarquia eclesiástica que
pretende deter o monopólio da salvação. Eles falam como representantes de uma
igreja estabelecida, que se considera o coroamento da missão.
O olhar de Jesus vai mais longe: ele visa o Reino de Deus. Quando uma
igreja se considera um fim em si, ela se torna intolerante em relação às demais
entidades. Despontam então comportamentos de exclusão; os diferentes são
excluídos. Anunciando e realizando a proximidade do Reinado de Deus, Jesus
ensina a tolerância. A partir da tolerância de Jesus, nós podemos compreender o
que significa: “Sede misericordiosos como o vosso Pai celeste é
misericordioso”. O importante não é o monopólio e o controle da administração
da religiosidade humana, mas entender que o sábado (o valor sagrado) está em
função do ser humano. O que importa é a libertação da pessoa. Que o exorcista
continue libertando pessoas em nome de Jesus.”
Maria Ruckert, editado por Marcos Inhauser
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