Na teologia há uma tensão entre fundamentalistas e liberais. Os primeiros acusam os segundos de ceder ao mundo e à cultura e de implantar na igreja, liturgias e cultos as “coisas do mundo”. Adoram citar o texto “as portas do inferno não prevalecerão contra ela (igreja).”
Em leitura
simplista e enviesada, fazem a dicotomia maniqueísta entre secular e
espiritual, mundo e reino, igreja e sociedade. Esquecem-se de que a igreja está
no mundo, é feita por quem vive no mundo, é moldada pela cultura “mundana” onde
vive, que há aspectos culturais próprios de cada país e região, que as coisas
do mundo nem sempre são más ou pecaminosas.
Estes intérpretes
não percebem as conotações que a palavra “mundo” tem na Bíblia e nas falas de
Jesus. Misturam alhos com bugalhos. Fundamentalistas e, por conseguinte,
literalistas, creem na infalibilidade das Escrituras que, na verdade é a
infalibilidade de suas próprias opiniões pretensamente bíblicas. Usando um
conceito que só apareceu na história da Igreja com os pietistas no século XVII,
afirmam algo que a Igreja histórica nunca afirmou. Chegam a sustentar a
infalibilidade inclusive das vogais (os textos hebraicos só usavam as
consoantes e a vocalização apareceu no século VII com o trabalho dos
massoretas). Creem, contra toda a evidência e lógica interna dos escritos, na
inspiração verbal e plenária e na inspiração mecânica, onde o próprio Deus
ditou as palavras da Bíblia. Até os relatos em que se atribui a fala a Satanás,
Deus foi o inspirador.
Agarram-se ao
novo para defender o velho. As perguntas mais pertinentes ao texto bíblico, a
discrepância entre dois relatos (números no censo, palavras dos dois
crucificados com Jesus, as duas narrativas da criação, duas do dilúvio, entre
outras) são coisas de herege. Tive um aluno tão ferrenho na defesa da autoria
mosaica do Pentateuco, que escreveu um TCC com o título “Direitos Autorais de
Moisés sobre o Pentateuco”. Ele afirmava que Moisés escreveu até o relato de
sua morte, porque Deus havia revelado a ele por antecipação!
Condenam o
uso de música popular nas igrejas, mas ficam extasiados ao cantar o hino
nacional da Inglaterra ou da Alemanha com letra religiosa. Dão um tempero
religioso às músicas country dos EUA, mas proíbem os ritmos nacionais.
Afirmam a
família monogâmica como plano de Deus, mas se esquecem que a poligamia era a
norma no Antigo Testamento. Só no Concílio de Latrão, em 1215, a igreja elaborou
a legislação do matrimônio. O sacramento apareceu em 1439, no Concílio de
Florença.
Desde o
século VIII a igreja defendeu a monogamia. Os reis francos eram polígamos e isto
exibia a riqueza, poder e alianças políticas. Um deles teve seis esposas! Isto
interferia em questões dinásticas. A reforma gregoriana no século XI definiu
que clérigos deviam ser celibatários e os casados monogâmicos. Nunca foram
fiéis às exigências da Igreja. Concubinas e amantes resistiram. Com o tempo a
poligamia se enfraqueceu.
Usam o modelo
de famílias pequenas (de dois filhos) e defendem que os filhos são benção do
Senhor e quanto mais se tem, mais abençoado é: era mão de obra para os campos e
guerreiros para defender a terra. Exigem o casamento no civil para oficiar o
religioso, mas se esquecem que isto só surgiu no século XIX. Antes era um
acordo comercial entre famílias. Exige-se amor para o casamento, coisa que só
apareceu depois do século XVI.
É muito
barulho prá minha cabeça!
Marcos
Inhauser
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