O
povo estava escravizado e vinha sendo explorado pelos poderosos da nação.
Trabalhavam duramente para atender às exigências reais e produzir os tijolos.
Não tinham descanso nunca. A realeza, para manter sua opulência e construir
palácios, exigia do povo a produtividade nas olarias. Cada operário deveria
entregar ao fim do dia sua produção. Quando Moisés pediu ao Faraó que deixasse
o povo sair por três dias para cultuar a Deus, o rei entendeu este pedido como
ameaça: “... por que interrompeis o povo no seu trabalho?... o povo já é
muito e vós os distraís das suas tarefas” (Ex 5:4, 5).
A
solicitação justa foi tomada como ameaça à nação, à estabilidade do reino, à
ordem institucional. A resposta real veio na forma de exigência de mais
produção com menos matéria prima (“... não dareis a palha para fazer tijolos...
eles mesmos que... ajuntem para si a palha... e exigireis... a mesma conta de
tijolos que antes faziam... agrave-se o serviço sobre estes homens, para... que
não dêem ouvidos a palavras mentirosas... v. 7-9). Uma reivindicação justa
respondida com mais injustiça.
Ao ler este relato e olhar para
nossos dias, tenho a impressão que a história se repete. Os exemplos modernos
de justas reivindicações de trabalhadores são, com uma frequência assustadora,
respondidas com mais injustiça.
Quantas
vezes trabalhadores lutando por melhores salários não foram tratados com
cassetetes, bombas de gás lacrimogêneo, duchas de água? Quantos trabalhadores
não tiveram seus salários descontados porque pararam em greve para reivindicar
melhores condições de trabalho?
Mais
ainda: na atual situação de haver muita gente para trabalhar e pouco trabalho
(versão moderna do “o povo já é muito...” v. 5), os modernos trabalhadores,
diante do medo de perder seu posto de trabalho, acabam se sujeitando a
situações ainda mais injustas. Sob ameaça de perder o emprego, os modernos
Faraós estão exigindo que seus trabalhadores produzam mais com menos custo (com
a moderna terminologia de “produtividade”).
Aumentam
as exigências e reduzem as condições. Pedem mais produtividade, mas cortam a
“palha” do plano médico, da cesta básica, do adicional por insalubridade etc.
Não poucas vezes se aplica o que o apóstolo Tiago vai dizer mais tarde “... o
salário dos trabalhadores... foi por vós retido com fraude” (Tg 5:4).
A Páscoa
está aí para nos dizer que Deus está atento e que isto terá fim. O sofrimento
do povo, tendo que trabalhar de sol a sol, sem descanso semanal, férias ou
outra coisa beneficiosa, não é algo alheio a Deus e Sua justiça.
Ele
interferiu a favor dos trabalhadores explorados pela ganância e opulência do
Faraó. Certamente também está atento hoje ao sofrimento e exploração feita em
nome do modelo econômico, do lucro, dos acionistas da Bolsa. Ele está atento às
tentativas de retirada de parcos benefícios de quem suou toda a vida. Quem
vestiu farda ou teve trabalho público, para estes Faraós, merecem tratamento
diferenciado e remuneração nababesca depois de se aposentarem.
Os modernos
Faraós podem negar a justa reivindicação dos trabalhadores roubados no FGTS e
negados no pedido de um salário justo, argumentando que isto desestabiliza a
economia, aumenta a inflação etc. Mas há esperanças no Deus da Páscoa. Esta foi
a culminação de um processo de salvação e libertação de uma relação laboral
injusta. Que esta dimensão da Páscoa não se perca em meio a uma celebração que
mais enfatiza o sofrimento sob o império que a libertação, que espiritualiza a
ressurreição, não permitindo ver que há situações concretas que exigem
libertação e ressurreição.
Marcos Inhauser
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