A Igreja da Irmandade está há 106 anos na China. Começou com
um trabalho médico, teve algumas igrejas, com a revolução maoísta elas foram
fechadas e ficou o trabalho médico. Eles hoje têm uma casa de acolhimento de
doentes terminais, na quase totalidade com câncer, sendo uma das poucas
existentes no país.
Um dia receberam um doente muito mal. Não tinha parentes e
vivia completamente só. Acolhido, recebeu tratamento, carinho, atenção e aquilo
se tornou no seu lar. Um dia a cuidadora perguntou a ele qual o desejo que ele
tinha a ser realizado antes que morresse. Muito constrangido disse que queria
lavar os pés. Ela, seguindo a tradição anabatista do lava pés, tomou da bacia,
toalha e água e lavou os pés daquele moribundo. Ao terminar, ele segurou a mão
dela e disse: “há dezoito anos que não lavo os pés, porque não conseguia”. Ele
faleceu pouco depois.
A Igreja da Irmandade está há mais de vinte anos na
República Dominicana. Já tratei aqui, por três vezes, da surreal situação dos
filhos de casais haitianos, ou de um casal em que um deles é haitiano e que os
filhos nasceram na República Dominicana. Não podem ter certidão de nascimento,
e por isto não têm acesso ao sistema público de saúde e educação. São
indocumentados e apátridas. A igreja tem uma boa porcentagem de haitianos, tem
trabalho em Bateis (vilas isoladas onde vivem os indocumentados e que se dali
saírem podem ser presos), tem pastores haitianos e indocumentados.
Houve forte pressão internacional e o governo teve que abrir
um processo de arrolamento dos haitianos/dominicanos (HD), para dar a eles uma
cédula de identidade. Um dos pastores da igreja, HD, indocumentado, foi
encarregado de mobilizar as pessoas, levá-las para fazer o registro e ajudar
nas custas (verba da Igreja nos EUA foi dado para que este trabalho pudesse ser
feito). No meio do seu trabalho encontrou
um senhor HD, doente, sem família, sem moradia, aterrorizada pelo medo de ser
preso e deportado, sem consciência de que poderia ter a sua cédula de
identidade. O pastor o tomou pelas mãos, fez o que devia ser feito: levou-o ao
Departamento de Inscrição, testemunhou a seu favor, buscou descobrir onde tinha
nascido, nome dos pais, etc.
O problema se complica ainda mais porque, em muitos casos,
casais que iam ao hospital para o nascimento, de medo de serem presos e
deportados, davam nomes fictícios e muitos apresentavam identidades de
dominicanos que emprestavam seus documentos. Assim, encontrar o registro de
nascimento não é o suficiente, porque o nome do pai ou da mãe pode estar
adulterado.
No caso do velho senhor HD não conseguiram, mas pelo
testemunho da igreja e do pastor que gestionava a seu favor, ele conseguiu a
sua cédula de identidade. Mais: a igreja propiciou-lhe um local para morar.
Em uma de minhas viagens à RD estive em um Batei. Lá havia
uma escola só para crianças indocumentadas e impedidas de frequentar a escola
pública. Esta escola era fruto da dedicação de uma haitiana, legalizada na RD,
que decidiu abrir a escola e mantê-la com as ofertas que recebesse. Ela tinha
uma sala de aula, uma cozinha, um banheiro precário e um pátio para as crianças
brincarem. A professora morava em uma barraca, ao lado de um alicerce de uma
muito pequena casa que tentava construir. Perguntei a ela porque construiu
antes a escola e ela me disse: “lá eu beneficio muito mais gente que construir
uma coisa só para mim. Passo o dia na escola e só venho aqui para dormir. Minha
vida está lá e de lá vai sair gente que vai mudar esta situação, beneficiando
muito mais gente.”
Amar é simples. Não requer teologia, filosofia ou qualquer
outra “ia”. É ir e amar.
Marcos Inhauser
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