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quarta-feira, 28 de agosto de 2019

DOM QUIXOTE DA CHAMA


Lá se vão mais de 35 anos quando, por determinação pessoal contrária à minha vontade, decidi ler o Dom Quixote. Eu o li em espanhol e, no princípio, achei o estilo rebuscado e rococó. Aos poucos fui tomando gosto e, devo dizer, acabei adorando o livro e ele marcou muito a minha vida e cosmovisão.
A sua “vocação” era tresloucada e, até onde se sabe, não tinha o treino e as habilidades necessárias para desempenhar a missão de cavaleiro a que se propôs. Saiu em desvairada aventura épica. Para tanto tinha seu fiel escudeiro, o Sancho Pança. Pelas gravuras se percebe ser uma dupla de opostos: Quixote era magro e alto, Sancho gordo e baixo. Este antagonismo é proposital na paródia anacrônica que a novela é. Também se percebe o antagonismo nos comportamentos: Quixote era visionário, irrealista, sonhador e psicótico. O Sancho era realista, comedido e sensato. O problema é que Quixote não o escutava.
Quixote tinha um cavalo, o Rocinante e uma inspiração, a Dulcineia. Ele nunca a viu e nem ela a ele. Ela nem mesmo sabia que ele existia. Era um devotado anônimo. Em homenagem a ela enfrentou inimigos imaginários (como os moinhos de ventos). Via inimigos por onde olhasse.
Da leitura aprendi a olhar os possíveis inimigos e perguntar se são reais ou imaginários. Busquei ter os meus Sancho Pança que me chamassem à realidade. Meu Rocinante é o que escrevo e ensino. Minha Dulcineia é a esposa e os netos e netas (que são reais e sabem das minhas lutas).
Este romance de cavalaria se tornou um clássico e o é porque sua história, ainda que anacrônica, encontra eco em situações presentes. Como exemplo, cito o Brasil atual. Temos um presidente que se encaixa na figura do Dom Quixote. Ele saiu do fundão do plenário, do baixo clero, nunca mostrou ter habilidades e competências para a missão que diz ter, tem seus fiéis escudeiros na trinca de filhos, arrumou mais três (Guedes, Moro e Lorenzoni). Tem seu Rocinante que são as redes sociais e vê inimigos a cada novo dia. Mais recentemente ele viu inimigos nas fotos e estatísticas do INPE e caiu de pau, apoiado pelos escudeiros, em cima do diretor e acabou por exonerá-lo. Viu monstros nas ONGS, nas fotos de satélites, nos governadores da região amazônica, no Macron e até na mulher dele. Até em ajuda internacional ele vê inimigos hipotéticos!
Parece que quanto mais fumaça as queimadas produzem, mais se deteriora a visão do nosso cavaleiro. Depois de ver o tiro sair pela culatra, chamou os ministros e o Exército para mostrar algo que deveria ter feito há muito tempo.
O seu Rocinante é vociferante! Todo dia tem que colocar algo nas redes, quase sempre (e não me lembro quando não o foi) de forma a criar o caos e a controvérsia. Parece que se inspirou no Jânio Quadros e no César Maia, especialistas em factoides para sempre estar na mídia. Que se inspira no Trump não há nenhuma dúvida, uma vez que o idolatra. Ainda que haja quem, no seu entorno, tente chamá-lo à realidade, nada muda.
Ele mexeu com a chama e saiu queimado! E o Brasil está saindo chamuscado pelas suas intemperanças e alucinações!
Marcos Inhauser